quinta-feira, 22 de outubro de 2009

PROFECIAS DO POÇO

Certa vez, em um país distante e muito quente, havia um casal de jovens.

A moça era toda comedida e cheia de talentos, apesar de seu gênio forte e suas opiniões intransmutáveis, carregava uma aura de bondade, era muito bela e tinha o dom de fazer rir a toda gente.

O moço era mais desinibido, cheio de gostos só dele e esquisitices únicas,  era de um traço genioso um tanto rígido, conquanto sua personalidade fosse exótica, era simples e a com todos convivia bem.

Seus nomes eram Naile e Édigo.

O casal de nossa estória num certo dia de chuva e cheiro de terra molhada, colhia espigas de milho. No meio da colheita, Naile deu um grito e cortou o seu pé esquerdo.

O grito chamou a atenção de Édigo que de pronto foi em direção ao som que ouvira.

Naile havia cortado seu pé em uma pedra afiada, e o moço inconformado logo começou a vasculhar o local e verificar, qual o motivo daquela pedra estar ali.

Enquanto limpava e cavava em volta da pedra, encontrou uma pesada rocha em forma de moeda, essa moeda de pedra tampava a boca de um buraco.

Retiraram a tampa e viram um poço, fundo e frio.

Naile disse que seria bom ela lavar o machucado, Édigo providenciou uma corda e um balde e de imediato já havia água disponível.

Naile sentiu um calafrio ao lavar seu pé com aquela água geladíssima.

Os dois olharam pra dentro do poço e viram imagens estranhas e sons que não compreenderam; imagens de Édigo deixando Naile e de desgraças,…

Choros de crianças e gritos de crianças.

Saíram logo dali, voltaram as suas casas e pouco meses depois casaram-se.

Viveram felizes e prósperos por longos anos.

O que eles não sabiam, é que na parte debaixo da tampa de pedra do poço, havia uma mensagem que assim dizia:

“Poço das profecias, se mesmo por que por uma gota oferecer-nos sangria, o poço lhe mostra todas as gritarias, escândalos e agonias que a vida lhe reserva.”

Ainda bem que eles não leram a pedra, e não viveram sobre o império do medo das profecias.

Tudo que o poço profetizou aconteceu, mas muito mais do que o poço não profetizou veio a acontecer.

Tudo leva a crer que o casal acreditou mais em suas próprias profecias.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

SONHOS DE NORACILA

 

Longe, no mundo das savanas, vivia Noracila.

Era branca e rosada, tinha os cabelos dourados e a boca avermelhada; meio brava, meio menina, meio flor, meio limão, mas uma coisa Noracila não era ao meio, apaixonada, posto que disso sim era todo seu coração.

Uma noite ela encontrou um fauno de barba loira e cabelos encaracolados, um sujeito quase engraçado, quase despojado, porém, muito centrado, muito programado, muito amedrontado, mas que fez a menina doar-lhe o coração.

O nome do fauno amado era El Donaro,  um nome cheio de pompa e poder, Noracila não pode conter sua emoção, e quis com ele para sempre viver.

Chamou ao fauno de sua razão de ser, beijou-lhe com as dádivas de todo poder, perdeu-se no bicho homem, que com cara de poeta, mudou seu modo de ser e das coisas ver.

Casou-se com ele em muitos pensamentos, e a todo momento imaginava como tudo haveria de ser; pensava nas velas, e nas crias, nas noites de magia e nos móveis que queria ter.

Via vidraças com asas de traças, abajures com vagalumes, via cadeiras e perto delas esteiras, olhava para o fogo da lareira, que ainda não existia, mas que o conforto nas tardes de geleira, por certo ia trazer.

Já amava os filhos que não tinha, já vivia a vida que não vinha, já respirava o ar das manhãs futuras.

Dormia com sonhos futuros e sonhava com noites por vir.

Tudo era ela e o fauno, não havia eu ou você, tudo era nós e mesmo que fosse uma só noz, ela queria, não , teria, que  dividir.

Noracila se afastou dos amigos e mudou seus gostos, mesmo que fosse o desgosto, gostava mais do que o gosto de não agradar o objeto de adoração de todo seu ser.

A sua cor favorita mudou, seu feriado preferido alterou, seus sabores mais gostou trocou e seus pensamentos cambiou.

O Fauno não ligava, somente as vezes imaginava como as coisas poderiam ser.

Foi nessa vida desmedida e desigual, que o belo casal, a dor rotinal pôde conhecer, principiou seus precipícios, visitou alguns hospícios, e o mundo foi ficando mais real,..

O fauno já não era mais meio animal, perdeu o encanto original.

Noracila já não era tão jovial, mesmo que seu amor continuasse todo normal, o fauno, lembrou-se de ser mais homem e menos animal, começou amar menos, e não mais que logo, o fogo inaugural, logo, se fez tição e morreu a chama de inanição.

O fauno disse:

- Não te quero, isso não é normal !

Noracila, não acreditava e dizia:

- Calma, espere, eu sei que tudo vai acabar bem no final, procure um hospital.

O fauno já não queria aquilo, afinal, já era decisão terminal e Noracila já amargava sua despedida sentada no fundo do quintal.

A flor do amor secou-se.

A chama da paixão cessou-se.

A pedra da certeza trincou-se.

O sonho do futuro acordou-se.

O cristal marital despedaçou-se

tudo ou-se, tudo ia, mas agora já era!

Noracila era só agonia, só sangria, era só !

Noracila foi ficando amarela, magrela e singela,..

Deitou-se no quintal e esqueceu-se de sí mesma,..

O vento, a terra e a chuva, sentido culpa, enterraram-na.

Meses depois, floriram tristes margaridas.

Foi assim a ida.

O fauno e Noracila, uma novela sentida.